quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Cara

E como toda moeda, aquela só tinha duas faces. Jogou-a pra cima, e esperou a queda. Quando tocou o chão, tilintou um som metálico quase musical, girou muitas vezes como se estivesse dançando em câmera lenta, quase permitindo que suas voltas fossem contadas. Cambaleou de um lado pro outro, relutando em parar. E caiu. Deu cara.

Ela se olhou no espelho manchado e se desferiu um tapa, daqueles bem estalados. Notou a vermelhidão que surgia, e sentiu o sangue pulsando em sua face. Jogou a moeda de novo, deu cara. Outro tapa.

Sentia que dessa vez ela precisava se aprumar, colocar o passado em seu devido lugar, e parar de vetar presente e futuro. Não havia explicação para nada daquilo que ela considerava tão concreto. Se privava de muitas coisas por receio de estar às vésperas do dia em que tudo iria mudar. Era um medo ridículo de perder; mas não se pode perder o que não se tem.

Sentou na beira da cama e abaixou a cabeça pra pensar, mas não conseguia. Aquela história havia se tornado um mar de fatos imprecisos, de histórias desconexas, de fios arrebentados; não podia entender mais nada. Foi quando tentou sorrir, e viu que podia. Se pôs de pé e caminhou lentamente  até o espelho, e quando se encarou nos olhos, viu que lá no fundo, bem lá no fundo, uma outra alguém gritava por ela.

Continuou se fitando nos olhos e experimentou a sensação de se ver como jamais havia visto; se viu com os olhos dos outros. E afundou em sua memória tentando lembrar da expressão daqueles olhos com os quais ela tanto havia sonhado em vão.

Percebeu que era ele que tornava aquilo tudo tão recorrente e estúpido. Era só coisa de "não dar o braço a torcer". Mas agora, ela torcia... o nariz. E ria de tudo aquilo como algo que tivesse sido sempre engraçado, vívido e verdadeiro. Renderia bons roteiros. Se sentia alegre, pronta para o novo, de novo.

E jogou a moeda...
Coroa.

3 comentários:

  1. É bom ver essa evolução...Que continue dando coroa. Sempre.

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    1. Valeu Rich. É engraçado, mas de fato as coisas mudam... A gente que se apega ao apego, e isso é estranho!

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